Acordo de Sócios x Contrato Social: em caso de divergência, qual deve prevalecer?

Acordo de Sócios x Contrato Social: em caso de divergência, qual deve prevalecer?

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O acordo de sócios, também conhecido como acordo de quotistas nas sociedades limitadas, é um documento que busca regulamentar especificidades entre os próprios sócios e a sociedade. Caso haja divergência entre o contrato social e o acordo de sócios, qual deve prevalecer?

Com o advento da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), foi instituída possibilidade de acordo de acionistas, como uma ferramenta muito utilizada nos dias atuais, tanto pelas sociedades anônimas quanto pelas limitadas, de modo que sua utilização no âmbito de sociedades limitadas é admitida observadas determinadas formalidades, como, por exemplo, a menção no contrato social sobre sua existência e aplicação subsidiária da Lei das S/A à sociedade.

Tal disposição encontra algumas divergências, de forma que alguns autores instituem a necessidade de menção no contrato social da aplicação da Lei das S/A, e outros citam a aplicação por analogia. Em face de ambas interpretações, a opção mais positivista e protecionista seria a menção no contrato social quanto à utilização das normas das Sociedades Anônimas.

Sendo assim, o acordo de sócios apresenta-se como um acordo parassocial que, e como o próprio nome diz, é celebrado à parte do contrato social, com a finalidade de disciplinar direitos e obrigações entre sócios de uma sociedade limitada, sendo acessório ao contrato social pois sua existência é indissociavelmente ligada à existência da sociedade.

Mesmo apresentando-se como contratos distintos, a existência de um acordo de sócios está condicionada à existência de um contrato social, não cabendo ao acordo de sócios estabelecer regras autônomas para a regência da sociedade.

O autor Herbert Morgenstern Kugler, em sua obra “Os Acordos de Sócios nas Sociedades Limitadas: Existência, Validade e Eficácia”, entende que o acordo de sócios se apresenta como uma “norma secundária” em relação ao contrato social, de forma que os acordos de sócios não podem modificar o contrato da sociedade, apenas modificar a relação entre as partes contratantes.

Embora a jurisprudência acerca do tema explanado seja escassa, devido ao fato de os acordos de sócios geralmente conterem cláusula arbitral, há precedentes jurisprudenciais que já declararam a prevalência do estatuto social sobre o acordo de sócios, o que reforça ainda mais seu caráter subsidiário.

Portanto, entende-se que qualquer disposição encontrada no acordo de sócios que contrarie o contrato social pode ser considerada inválida, sendo nula ou anulável, conforme o caso.

Outro ponto interessante de análise é o plano de eficácia do acordo de sócios. Assim, quais os efeitos do acordo de sócios perante a sociedade e terceiros?

Como o próprio caput do art. 118 da Lei nº 6.404/1976 institui, os chamados acordos de sócios versam sobre “a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede”.

O parágrafo 1º do referido artigo, expõe a necessidade de arquivamento do acordo de sócios na sede da sociedade e averbação nos livros de registro, assim nos cabe análise quanto tais disposições.

É necessário o devido arquivamento do acordo de sócios na sede da sociedade limitada para que seja conferida publicidade do próprio acordo aos membros da companhia, e desta forma seus termos se tornam oponíveis à sociedade e aos membros da administração.

Entretanto, valendo-se do disposto no parágrafo 1º do art. 118 e utilizando-se de uma interpretação teleológica, no que diz respeito à oponibilidade a terceiros, entendemos a necessidade de publicidade quanto às matérias correspondentes ao caput do art. 118, tais quais: (i) compra e venda de quotas; (ii) preferência para aquisição de quotas; (iii) exercício do direito a voto; e (iv) exercício do poder de controle.

Logo, cabe-nos destacar novamente a natureza parassocial do acordo de sócios, pois os sócios o elaboram à parte do contrato social, e muitas vezes tal contrato trata de matérias que esses não intentam promover tamanha publicidade com o registro em órgão público. 

Por conseguinte, podemos aferir que o mais aproveitável e interessante para os sócios seria reproduzir no contrato social as matérias citadas anteriormente constantes no acordo de sócios, para que seja preservado o sigilo do conteúdo firmado no acordo e assim promovida a publicidade apenas das matérias necessárias de oponibilidade a terceiros.

Outra importante observação seria quanto à eficácia dos acordos de sócios no cenário de empresas controladoras e controladas, a exemplo das holdings, que podem ser definidas como sociedades gestoras de participações sociais que administram conglomerados de um determinado grupo. É passível de entendimento na doutrina entre vários autores que os acordos de sócios firmados no âmbito das holdings controladoras têm plena eficácia sobre suas controladas, bastando que tal acordo seja arquivado junto às companhias controladas. Logo, as sociedades controladas devem zelar pelos acordos de sócios estabelecidos no âmbito das sociedades controladoras.

Portanto, é inegável a relevância do acordo de sócios nas sociedades limitadas, e cabe ao profissional responsável pela elaboração do mesmo o estudo e a análise quanto às matérias e temas que os sócios desejam regulamentar em seu acordo de sócios, de forma que o acordo deve ser cuidadosamente trabalhado e regulamentado.

Gabriela Prieto Borges
Divisão de Consultoria Societária e Patrimonial

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