Contrato de vesting como forma de atração e equilíbrio nas startups

Contrato de vesting como forma de atração e equilíbrio nas startups

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Não é de hoje que o Brasil vive uma realidade extremamente complexa quando o assunto é empreender. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), como relatado nesta notícia, em 2017 676,4 mil empresas foram abertas, enquanto 699,4 mil foram fechadas no país. Esse quadro contabiliza um saldo negativo de 23 mil empresas.

Dentro dessas estatísticas, deve-se destacar também que quase metade das empresas encerram suas atividades com menos de 3 anos de funcionamento, fato este que deve ser analisado com cuidado. Quais são os principais motivos para que o ato de empreender seja tão penoso?

De pronto destacamos alguns motivos já bastante conhecidos, tais como: a burocracia, o sistema tributário (de legislações infinitas) e os altos custos para com quem está pensando em abrir o seu negócio. Mas abordaremos um assunto do qual nunca se falou tanto: pessoas e cultura. Empresas são pessoas.

Neste artigo falaremos como startups e algumas empresas estão buscando reter profissionais qualificados e alinhados com suas culturas por meio de um contrato de vesting.

O que é contrato de vesting na prática?

Funciona basicamente da seguinte forma: o fundador da startup contrata um colaborador high level, por exemplo, um programador de software, e lhe oferece 10% de participação na empresa. Contudo, ele só terá direito a esse valor se permanecer pelo menos 2 ou 3 anos no emprego ou após desenvolver determinada tarefa essencial à empresa/startup, conforme ficar acordado em cada caso.

Esse formato estimula o colaborador a trabalhar com foco no resultado e isso também vale para os sócios fundadores, já que nem sempre aquele que investiu na ideia inicial da startup, permanece na equipe. Ou seja, o vesting garante recompensas justas aos envolvidos no negócio, conforme o investimento (esforço) de cada um no crescimento da empresa promovendo a retenção.

Insight: com isso, a própria empresa/startup pode estimular um ambiente mais desafiador, que recompense os profissionais mais engajados e motivados em crescer junto com a empresa/startup. É uma solução eficaz também para compor um quadro de funcionários verdadeiramente comprometidos com a sua rotina de trabalho.

Abordaremos uma breve introdução sobre elementos do contrato, a origem do vesting e sua aplicação. Optamos por reunir algumas informações técnicas para clarear a aplicação do conceito e quais particularidades desse contrato no Brasil.

Elementos do contrato de vesting

Em primeiro lugar, faremos uma breve explicação acerca do conceito de contrato. Tal explicação é importante para que se inclua o conceito do vesting no raciocínio jurídico da teoria dos contratos, uma vez que se trata de uma modalidade desta.

Os contratos fazem parte do nosso dia a dia e se baseiam na confiança, na colaboração, na promessa e no crédito. São basicamente convenções que fazem surgir uma verdadeira lei entre as partes celebrantes, vinculando-as por um nexo obrigacional.

Podemos assim, em uma definição doutrinária, definir os contratos como: os negócios jurídicos que vinculam as partes a fim de regular interesses, com o propósito de gerar, adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial. [1]

Para ser considerado válido um contrato deve possuir elementos fundamentais, que são características intrínsecas ao ato, sendo: o objeto do contrato, o preço estipulado e o pacto entre as partes.

O contrato produz efeitos quando atendidas suas características objetivas, subjetivas e formais, sendo a ausência de um desses elementos um ponto de invalidez do negócio, não produzindo o efeito desejado, ou ainda, sendo anulável a partir da constatação do vício.

As características gerais dos contratos expostas acima são inerentes a todos os contratos pátrios, ou seja, o contrato de vesting inclui-se neste gênero. No entanto, este possui alguns aspectos bastante peculiares. Passemos agora para explicação acerca do contrato de vesting, tema principal do presente artigo.

Origem do vesting

Em uma tradução direta para o português, o termo “vesting” significa aquisição ou vestir. No contexto empresarial, a palavra vem sendo utilizada para descrever a operação na qual um funcionário da empresa adquire, por um certo período, o direito de certas ações da mesma empresa, tornando-se sócio, ainda que de maneira minoritária.

O conceito de vesting surgiu no contexto americano com principal intuito de permitir que as empresas retivessem seus colaboradores de alta performance, que podiam exigir um nível de encargos salariais que as empresas/startups muitas vezes não conseguiam bancar.

O modelo americano foi adaptado para a realidade brasileira, como muitos outros institutos jurídicos e empresariais, principalmente ligando-se ao desenvolvimento das startups, vendo o referido modelo como uma oportunidade de incentivar o eventual sócio a contribuir e confiar no sucesso da empresa, não gerando grandes custos para esta.

De acordo com a legislação pátria, o vesting pode ser enquadrado como um “Contrato de Opção de Aquisição de Participação Societária” e mesmo parecendo uma forma perfeita para as startups que têm pouco capital, alguns pontos devem ser observados.

O vesting propriamente dito

O primeiro conceito importante de se ressaltar no contrato vesting é o do cliff, sendo este o período em que o funcionário deve permanecer na empresa, não recebendo participação societária e não exercendo qualquer exercício de compra dessa participação, podendo ser definido como um período de experiência ou carência, um prazo mínimo para que o funcionário tenha direito de exercer qualquer opção.

É de vital importância também estipular o percentual de participação societária ao qual o funcionário terá direito de obter após o decurso do período de vesting, assim como potenciais condições de término e perda do direito de aquisição caso o funcionário decida não trabalhar mais na startup e, por fim, o preço que o funcionário deverá pagar para de fato adquirir a participação societária caso opte por tal escolha.

É essencial para uma startup instituir concomitantemente uma cláusula de não concorrência, uma vez que o colaborador pode ter alguma espécie de nova ideia genial e sair da empresa, decidindo concorrer no mercado por si mesmo, sendo muitas vezes, causa para o término da referida empresa anterior.

Podem ocorrer ainda as chamadas cláusulas de aceleração, nas quais se define que a ocorrência de algum evento de venda da startup ou outra situação de mudança de controle societário.

O contrato de vesting deve revestir-se de onerosidade, uma vez que, caso contrário, pode ser considerado contraprestação trabalhista, assim, sendo integrado como salário, incidindo todas os encargos, como 13° salário, férias, FGTS e contribuições para o INSS.

Também é interessante ressaltar que se for configurada mera doação, incidirá o chamado Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um imposto de competência estadual incidente sobre a transmissão causa mortis ou doação de quaisquer bens e direitos, previsto no art. 155, I, da CR/88.

No sentido do apresentado no parágrafo acima, o Tribunal Superior do Trabalho preconizou o seguinte (ED-AIRR-7400-93.2009.5.02.0511): “O plano de opção de compra de ações, instrumento que efetivamente norteia a participação acionária dos empregados, deve basear-se sempre nos seguintes fatores: i) preço de emissão da ação, ii) prazo para obtenção da elegibilidade do exercício das opções (prazo de carência ou “vesting”) e iii) prazo máximo para o exercício das opções (termo da opção)”. [2]

Talvez a principal implicação do contrato seja no contexto societário, uma vez que surgirá a figura de um novo sócio após a efetivação do direito surgido com o fim do termo do contrato de vesting, devendo tudo ser firmado de comum acordo entre os quotista e os acionistas e sendo anexado no contrato para que o comprador saiba dos direitos e obrigações decorrentes do referido vínculo.

Conclusões

Como vimos acima, contrato de vesting é uma opção interessante para as empresas em crescimento conseguirem segurar seus principais talentos em face do mercado competitivo e das empresas maiores. No entanto, as startups devem atentar-se para alguns riscos da opção adotada.

O principal e talvez mais evidente ponto é que se deve manter a proporção máxima societária oferecida aos funcionários sempre em estado alto de atenção. Da mesma maneira que se objetiva reter talentos e incentivar os funcionários, não é interessante que a startup não possua participação societária considerável para o recebimento futuro dos investimentos, ou ainda, resultando em uma diluição tão grande da participação que a startup tenha que emitir novas quotas.

Por fim, destacamos que um contrato de vesting pode ser o marco do início de um grande projeto e o desenvolvimento de resultados altamente satisfatórios. No entanto, os empreendedores devem se atentar que, sendo um contrato, o vesting deve seguir as legislações em matérias cíveis, societárias, tributárias e trabalhista, sendo necessário um corpo de assistência jurídica e empresarial altamente especializado e confiável.

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18 ed. v. III. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 1-4.

[2] Embargos de Declaração em Agravo de Instrumento no Recurso de Revista n° 7400-93.2009.5.02.0511.

José Augusto Melo de Carvalho e Henrique Martins Galvani
Grupo BLB Brasil

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