Incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias

Incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias

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Neste texto apresentamos um breve e atual panorama acerca da incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias no Brasil.

A Constituição Federal (CF/88) prevê, em seu artigo 195, que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei. Dessa forma, a Carta Magna determina que as contribuições sociais, as quais custeiam a seguridade social, incidirão, dentre outros casos, sobre a folha de salários e os rendimentos do trabalho pela prestação de serviço da pessoa física, pagas pelos empregadores e pelas empresas.

Nessa senda, a contribuição previdenciária (INSS) deve incidir sobre verbas decorrentes diretamente da relação de trabalho, pagas habitualmente e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador, devendo ser excluídas, portanto, as de caráter indenizatório e as pagas eventualmente por mera liberalidade.

O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do RE 565.160/SC, já firmou orientação pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre todos os ganhos recebidos pelos empregados e trabalhadores, a qualquer título, quando pagos com habitualidade e em retribuição direta à atividade laboral.

Todavia, o STF deixou de decidir a natureza indenizatória ou remuneratória de cada verba, uma vez que essa análise não possuiria status constitucional e, portanto, deveria ser realizada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Da jurisprudência no STJ

Até o momento, há decisões favoráveis aos contribuintes no STJ acerca das seguintes verbas previdenciárias: aviso prévio indenizado, os primeiros 15 dias do auxílio-doença e acidente, auxílio-enfermidade, auxílio-alimentação pago in natura, vale-transporte, salário-família, férias indenizadas, verbas relativas ao plano de saúde, auxílio-educação, auxílio-creche, entre outros (precedentes no REsp 1.230.957/RS, AgInt no REsp 1.617.204/RS, REsp 1.598.509/RN, REsp 1.430.043/PR, REsp nº 1.146.772/DF, AgInt no AREsp 1.125.481/SP, EDcl no AgRg no REsp 479.056/SC).

Do salário-maternidade

Em relação ao salário-maternidade, a matéria foi julgada pelo STF de forma favorável aos contribuintes, definindo a sua natureza indenizatória no RE nº 576.967/PR. A Corte se manifestou pela inconstitucionalidade da incidência de contribuições previdenciárias sobre a verba, uma vez que, durante o período de licença, a funcionária deixa de prestar serviços à empresa ao se afastar de suas atividades, assim como passa a auferir os salários que agora deixam de ser pagos pelo empregador.

Nessa oportunidade, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) inclusive apresentou um parecer informando a dispensa de contestar e recorrer sobre o tema, podendo ser habilitado o crédito em âmbito administrativo, sem necessidade de ajuizamento de ação.

Do salário-paternidade

Utilizando-se da mesma lógica daquela construída para rechaçar a contribuição previdenciária do salário-maternidade, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) proferiu decisão recente afastando a contribuição previdenciária sobre o salário-paternidade. Entretanto, o entendimento aplicado pelo relator do acórdão, o desembargador José Carlos Francisco, não é o dominante no TRF3, bem como não segue o entendimento do STJ, pois a Corte já fixou a tese de que o salário-paternidade deve ser tributado. Dessa forma, diante da interposição de recurso pela União contra a decisão, a procuradoria crê que terá êxito na reforma do julgado.

Entretanto, é incoerente distinguir, para fins previdenciários, rubricas de mesma finalidade e ligadas intimamente pelo mesmo valor social, pois tanto o pai quanto a mãe possuem o mesmo direito protegido constitucionalmente de cuidar do filho recém-nascido.

Assim, diferenciar a tributação nessa situação ofende o princípio constitucional da isonomia entre homens e mulheres previsto no art. 5º, I, da CF/88, razão pela qual há bons argumentos para a discussão judicial da não incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-paternidade.

Das bolsas de estudos concedidas aos empregados e seus dependentes

Seguindo a mesma linha de raciocínio das verbas de auxílio-educação e auxílio-creche, há decisão favorável aos contribuintes, exarada pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), nos autos do Mandado de Segurança nº 1018832-54.2018.4.01.3400, no que diz respeito a não incidência de contribuições previdenciárias sobre os valores relativos às bolsas de estudos concedidas pela empresa aos dependentes de seus empregados.

O acórdão, entre outros argumentos, ressaltou jurisprudência pacificada do STJ acerca da não integração ao salário de contribuição dos valores relativos a plano educacional ou bolsa de estudo que visem à educação de empregados e de seus dependentes.

Do auxílio-alimentação

No que concerne ao auxílio-alimentação, a Advocacia-Geral da União publicou, no Diário Oficial da União, no dia 23/02/2022, um parecer com efeito obrigatório sobre a não integração dos valores de auxílio-alimentação recebidos pelos trabalhadores na forma de tíquetes, cartões ou vales-alimentação na base de cálculo da contribuição previdenciária, mesmo antes da vigência da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467/2017).

Dos ganhos eventuais e abonos previstos em CCT ou ACT

É importante citar também que, em 22/11/2021, foi publicado o Acórdão nº 2402-010.496, proferido pela 2ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) que, nos autos do Processo Administrativo nº 16832.000718/2009-90, reconheceu a não incidência de contribuições previdenciárias sobre ganhos eventuais e abonos previstos em Convenção Coletiva de Trabalho ou em Acordo Coletivo de Trabalho. Em que pese a controvérsia, a qual não está pacificada ainda, tal decisão representa um precedente de grande valia para os contribuintes.

Da Hora Repouso Alimentação

Ainda vale frisar que, em 04/11/2021, foi publicada a decisão monocrática no REsp 1.963.274/SP, na qual o ministro Herman Benjamin entendeu pela não incidência de contribuição previdenciária patronal sobre os valores pagos pela empresa a título de Hora Repouso Alimentação (HRA) em período posterior à entrada em vigor da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017).

Embora a Reforma Trabalhista tenha trazido expressa mudança legislativa, ainda há poucas decisões no mesmo sentido sobre o tema, visto que parte do Judiciário Federal continuou a aplicar, equivocadamente, a súmula nº 437 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que confere caráter salarial à Hora Repouso Alimentação com a consequente incidência de contribuições previdenciárias.

Dos primeiros 15 dias que antecedem o auxílio-doença ou acidente e do aviso prévio indenizado

Pela ocasião da decisão do STJ no julgamento do REsp nº 1.230.957/RS, proferida em março de 2014, o Tribunal, em relação à importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio-doença, se manifestou da seguinte forma: “(…) a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória”.

Ainda, em relação ao aviso prévio indenizado (Tema 478 do STJ), a tese firmada seguiu alguns precedentes no mesmo sentido, já decididos pela Corte, no sentido de que: “não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial”.

Como podemos observar, o entendimento do STJ é justamente a natureza indenizatória (e não salarial) do aviso prévio indenizado, uma vez que a cota não nasce de qualquer tipo de serviço prestado pelo empregado ao empregador.

Do adicional de horas extras

Em agosto de 2020, por meio da decisão nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.260.750/RJ, o STF reputou infraconstitucional a definição da natureza jurídica das contribuições previdenciárias de forma individualizada.

Dessa forma, devemos resgatar o entendimento firmado pelo STJ, em 2014, que decidiu sobre a incidência das contribuições sobre as horas extras, o adicional noturno e de periculosidade, nos autos do Recurso Especial nº 1.358.281/SP, sob o rito dos recursos repetitivos.

Das férias e o respectivo terço constitucional

Quanto à incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias gozadas, o entendimento é desfavorável aos contribuintes, uma vez que há habitualidade e caráter remuneratório na totalidade do que é percebido no mês de fruição das férias, bem como, de acordo com o artigo 148 da CLT, essa verba possui natureza remuneratória e salarial.

Já no que diz respeito ao 1/3 constitucional, de encontro ao entendimento anteriormente pacificado pelo STJ – reiterado no REsp 1.230.957/RS, julgado em fevereiro de 2014, sob a sistemática de recursos repetitivos –, o Supremo decidiu, recentemente, sobre a legitimidade da incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias gozadas (no RE 1.072.485, Tema 985 da repercussão geral).

Vale lembrar que, quanto às férias indenizadas e o respectivo adicional de um terço, a Lei 8.212/1991 determina expressamente a não incidência de contribuição social (art. 28, § 9º, alínea ‘d’). Contudo, o tema ainda está pendente de modulação de efeitos pela Corte Suprema, o que nos leva a considerar que o STF poderá beneficiar os contribuintes que usufruíram do benefício em consonância com o entendimento do STJ, sendo, portanto, uma ótima oportunidade para aqueles contribuintes que ainda não possuem ações judiciais em discussão.

Conclusão

Conforme exposto ao longo deste texto, nota-se que a pendência de análise de algumas verbas específicas pelos Tribunais Superiores leva a Receita Federal a manter a cobrança do INSS sobre as verbas de caráter indenizatório.

Recomendamos, assim, o ajuizamento de ação cabível para afastar a incidência das contribuições previdenciárias (INSS) sobre as verbas indenizatórias e pagas, até então, de forma não habitual. Essa também é uma forma de se resguardar dos eventuais efeitos da modulação acerca do terço constitucional, de modo a otimizar a carga previdenciária recolhida por sua empresa.

Caso sua empresa necessite de orientação e mais segurança acerca do correto recolhimento de tributos, entre em contato conosco.

Gabriela Cunha
Divisão de Consultoria Tributária da BLB Brasil Auditores e Consultores

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