Interpretação equivocada acerca do ITBI na integralização de bens ao capital

Interpretação equivocada acerca do ITBI na integralização de bens ao capital

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Saiba como está a discussão sobre pagamento de ITBI em casos de integralização de bens ao capital de empresas.

Em agosto do ano de 2020, por ocasião do julgamento do RE 796.376 (Tema 796), julgado em sede de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou o seguinte entendimento: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

Todavia, a tese fixada pela Suprema Corte tem gerado diversas incertezas no tocante à necessidade – ou não – de recolhimento de ITBI quando da integralização do capital social por meio de bens imóveis. É o que abordaremos a seguir!

O que é o ITBI?

O Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) possui previsão no texto constitucional, mais precisamente no art. 156, inciso II, da CRFB, que assim dispõe:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[…]

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição […]”.

Nota-se que a Constituição outorga competência aos ampara a instituição do ITBI, que incide sobre as operações de transmissão, entre pessoas vivas, por ato oneroso, da propriedade e/ou dos direitos reais incidentes sobre bens imóveis.

Portanto, estamos diante de tributo municipal, cobrado sempre que constatada a ocorrência de seu fato gerador.

Apesar de outorgar competência aos municípios para instituição do tributo, a Constituição ressalvou alguns casos em que se aplica a imunidade tributária objetiva, o que representa a impossibilidade de cobrança do tributo em determinadas circunstâncias.

Nesse sentido, o § 2º, inciso I, do art. 156 da CRFB, consagrou a imunidade, isso é, a não incidência do tributo nas seguintes ocasiões:

  • Na transmissão de bens imóveis ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas em realização de capital;
  • Na transmissão de bens imóveis ou direitos decorrentes de operações societárias de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.

Nas duas hipóteses acima descritas, anteriormente à decisão proferida pelo STF por ocasião do julgamento do Tema 796, concluía-se pela aplicação do trecho final da redação do inciso I, § 2º, do art. 156 da CRFB, de modo que, acaso constatada que a atividade preponderante da empresa consistia na compra e venda de imóveis ou de seus direitos, bem como locação ou arrendamento mercantil destes, a imunidade tributária relativa ao ITBI não se aplicava.

Além disso, a mesma previsão constitucional fora replicada no Código Tributário Nacional (CTN), que possui caráter de Lei Complementar Federal, em seus artigos 36 e 37.

Há que se destacar que a intenção do constituinte, ao prever as hipóteses de imunidade do ITBI, guarda relação especial com o fomento da atividade empresarial, visando ao estímulo da economia.

Por isso, na constituição de holdings não imobiliárias, a integralização do capital social por meio de imóveis mostrava-se como ferramenta excelente a fim de viabilizar a constituição da sociedade.

Portanto, antes do julgamento do Tema 796, ao constituir uma pessoa jurídica, os sócios/acionistas poderiam integralizar o capital social por meio de imóveis, sendo que, nessa operação não incidiria o ITBI, desde que a atividade preponderante da sociedade não guardasse relação com a atividade imobiliária, ou seja, comercialização, locação ou arrendamento mercantil de propriedades imobiliárias.

O cerne da questão tratada neste artigo consiste no alcance e nas mudanças na tributação do ITBI após a decisão do STF nos autos do RE 796.376 (Tema 796).

Alteração na tributação do ITBI

No caso concreto, a discussão judicial pairava sobre a incidência ou não de ITBI sobre a diferença entre o valor das transmissões imobiliárias realizadas entre os sócios e a sociedade e o valor do capital integralizado em bens imóveis.

Tal discussão se deu em virtude da grande diferença entre os valores, já que os imóveis estavam avaliados em mais de R$ 802.000,00 (oitocentos e dois mil reais) e o valor do capital a ser integralizado em bens imóveis estava na casa dos R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais).

Assim, há uma diferença de R$ 778.000,00 (setecentos e setenta e oito mil reais), a qual fora contabilizada na sociedade como reserva de capital. Portanto, esse valor, uma vez que não utilizado para realização de capital na sociedade, de acordo com o STF, deveria ser tributado de ITBI.

Nesse sentido, assim pronunciou-se o Ministro Alexandre de Moraes:

“Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital.”

Todavia, valendo-se de interpretação equivocada da decisão proferida pela Suprema Corte, os municípios passaram a cobrar o ITBI de maneira indevida, uma vez que “exceder o limite do capital social a ser integralizado” tem sido interpretado como sendo a diferença entre o valor do bem declarado pelo contribuinte em sua declaração de IRPF, e consequentemente o valor integralizado, e o valor avaliado pelo município quando da integralização do capital social.

Esse entendimento, inclusive, viola a previsão do art. 23 da Lei Federal n.º 9.249/1.995, que dispõe que: “As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado.”

Veja que, quando da integralização do capital social por meio da transferência de bem imóvel, pode o contribuinte fazê-lo pelo exato valor constante da declaração do IRPF ou pelo valor de mercado. Por isso, não há que se falar na cobrança de ITBI incidente entre a diferença do valor do bem declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo município, pois ao contribuinte faculta-se deliberar por um ou por outro.

Isso porque, em momento algum o julgado do STF facultou aos municípios a cobrança de ITBI sobre a diferença do valor declarado e do valor avaliado pelo município. Tal questão sequer fora objeto de análise e de debates no julgamento.

No caso em tela, o capital social integralizado por meio da transferência dos imóveis totalizou a quantia de R$ 24.000,00 (vinte e quatro mil reais), não obstante os contribuintes compreendendo que o valor dos imóveis seria superior ao valor integralizado, lançaram a diferença, frisa-se, gritante, correspondente a R$ 778.000,00 (setecentos e setenta e oito mil reais), a título de reserva de capital e, portanto, sobre tal excedente deverá incidir, por óbvio, de acordo com o ordenamento jurídico, a cobrança do ITBI.

Ainda que assim não fosse, qual seria o valor de avaliação do bem imóvel por parte do município? Seria, no máximo, o valor de mercado, o que possibilitaria ao contribuinte, também, a aplicação do texto conferido ao art. 23 da Lei Federal n.º 9.249/1.995, de modo que ausente, portanto, qualquer parcela de diferença que sirva de base de cálculo à incidência do ITBI.

Por isso, considerando o caso concreto em que um sócio ou acionista integraliza um imóvel como realização de capital na sociedade por seu valor declarado e não faz qualquer outro lançamento em relação ao valor do imóvel, como, por exemplo, reserva de capital, não há que se falar e conclui-se pela inexistência de valor excedente ao capital social integralizado a ser tributado, ao contrário do ocorrido no caso do Tema 796.

Atualmente, diversos municípios têm criado entraves na transferência de bem imóvel como integralização de capital social sem incidência de ITBI, afrontando as disposições do art. 156, inciso II, da CRFB, art. 36 e 37 do CTN e art. 23 da Lei Federal n.º 9.249/1.995, justamente em razão de equivocada interpretação do julgado do Supremo Tribunal Federal.

A fim de afastar a cobrança inconstitucional e ilegal do tributo, diversos contribuintes têm ingressado com demandas no Poder Judiciário. Todavia, ainda não há jurisprudência consolidada por parte dos Tribunais, havendo apenas decisões isoladas que reconhecem a impossibilidade de cobrança do tributo em razão dos fundamentos abordados.

A BLB Brasil está atenta ao tema e aguardando o posicionamento das autoridades judiciárias e administrativas sobre o assunto.

Thiago Rodrigues
Divisão Societária e Patrimonial no Grupo BLB Brasil

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