Resumo do Ofício-circular CVM/SNC/SEP 02/2019 sobre arrendamento (IFRS 16 e CPC 06 R2)

Resumo do Ofício-circular CVM/SNC/SEP 02/2019 sobre arrendamento (IFRS 16 e CPC 06 R2)

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O Ofício-circular CVM/SNC/SEP 02/2019, emitido no último 18 de dezembro, tem o objetivo de orientar os “diretores de relações com investidores” e os “auditores independentes” quanto a aspectos relevantes do CPC 06 (R2) – IFRS 16 a serem observados na elaboração das Demonstrações Contábeis das Companhias Arrendatárias para o exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2019.

As áreas técnicas da CVM observaram que as demonstrações financeiras intermediárias das companhias abertas do ano de 2019 vêm apresentando diversidade na aplicação de determinadas disposições contidas no Pronunciamento Técnico CPC 06 (R2), que espelha no Brasil a IFRS 16. Essas divergências, em alguns casos conflitantes com o que prescreve a norma, fizeram com que a Autarquia desenvolvesse estudos sobre o tema.

É bom destacar dois pontos para o entendimento do contexto do Ofício-Circular/CVM:

  • Nas traduções das IFRSs (todas as normas, não somente a IFRS 16) e na sua internalização para o ambiente doméstico de regulação (Brasil), a seção “Basis for Conclusions” (BC) não é incorporada ao corpo dos pronunciamentos.
    A referida seção é indispensável para compreensão do racional das normas e das motivações que balizam as escolhas feitas pelo board do IASB.
    Consequentemente, conforme veremos mais adiante, as orientações da CVM para aplicação CPC 06 (R2) – IFRS 16, estão embasadas e conciliadas entre o CPC 06 – R2 (que não possui as “Bases para Conclusões”) e a IFRS 16 (que possui as “Bases para Conclusões”).
  • Taxas de juros em “economias desenvolvidas” versus taxas de juros no ambiente brasileiro.
    Se por um lado existe diferença irrisória de taxas de juros reais e taxas de juros nominais de economias desenvolvidas de algumas jurisdições adotantes das IFRSs, com expectativas inflacionárias extremamente baixas (por vezes negativas), por outro lado, no ambiente brasileiro, as taxas de juros são relevantes.
    Consequente, o CPC 06 (R2), correlacionada à norma IFRS 16, merece uma atenção especial no Brasil, a fim de não distorcer as demonstrações financeiras.

Posto isso, existem cinco pontos elucidados pelo ofício-circular, descritos abaixo, cabendo a leitura integral do respectivo ofício-circular.

Aspectos conceituais do CPC 06 (R2)

Um primeiro aspecto conceitual, crítico para aplicação da norma, está previsto logo no primeiro parágrafo, que afirma que arrendadores e arrendatários devem fornecer informações que sejam relevantes e representem com fidedignidade a realidade econômica a ser reportada.

Outro aspecto conceitual da norma reside na base de mensuração a ser dispensada ao ativo direito de uso e ao passivo de arrendamento. Deve ser dispensada a abordagem do custo como base de valor. E no caso do ambiente legal brasileiro, o custo histórico como base de valor, no limite do valor de recuperação.

No caso do passivo de arrendamento, a abordagem do custo é observada por meio do desconto das contraprestações previstas em contrato com o emprego da taxa implícita identificada na data inicial de mensuração, caso seja prontamente determinável.

E para se chegar à taxa implícita, deve-se calcular a taxa interna de retorno (TIR) do contrato, empregando-se apropriadamente os princípios gerais voltados ao uso da técnica de fluxo de caixa descontado (FCD).

A CVM enumerou cinco princípios gerais que regem a aplicação de qualquer técnica de valor presente utilizada para mensuração contábil:

  1. fluxos de caixa e taxas de desconto refletem premissas que devem ser aplicadas ao precificar o ativo ou passivo;
  2. fluxos de caixa e taxas de desconto levam em conta somente os fatores atribuíveis ao ativo ou passivo que está sendo mensurado;
  3. as taxas de desconto devem refletir premissas que sejam consistentes com aquelas inerentes aos fluxos de caixa, para evitar a contagem dupla ou omissão dos efeitos dos fatores de risco. Por exemplo:
    • A taxa de desconto que reflete a incerteza nas expectativas em relação a inadimplências futuras é apropriada ao utilizar fluxos de caixa contratuais de empréstimo (ou seja, técnica de ajuste de taxa de desconto);
    • Para fluxos de caixa esperados – que os fluxos de caixa esperados já refletem premissas sobre a incerteza em relação a inadimplências futuras – (ou seja, ponderados por probabilidade, técnica de valor presente esperado), deve ser utilizada uma taxa de desconto compatível com o risco inerente aos fluxos de caixa esperados;
  4. as premissas sobre fluxos de caixa e taxas de desconto devem ser internamente consistentes. Por exemplo:
    • Fluxos de caixa nominais, que incluem o efeito da inflação, devem ser descontados a uma taxa que inclua o efeito da inflação. A taxa de juros nominal livre de risco inclui o efeito da inflação;
    • Fluxos de caixa reais, que excluem o efeito da inflação, devem ser descontados a uma taxa que exclua o efeito da inflação;
    • Fluxos de caixa após impostos devem ser descontados utilizando-se uma taxa de desconto após impostos;
    • Fluxos de caixa antes de impostos devem ser descontados a uma taxa consistente com esses fluxos de caixa.
  5. as taxas de desconto devem ser consistentes com os fatores econômicos subjacentes da moeda na qual os fluxos de caixa são denominados.

Resumindo, o principal desafio neste 1º ponto é o atendimento de todos os cinco princípios enumerados acima a fim de que os resultados obtidos com o emprego do modelo de Fluxo de Caixa Descontado (FCD) não estejam incorretos. O emprego inadequado das técnicas de FCD concorre para o “misleading (informação enganosa, incorreta, falsa deturpada etc.), visto que o cálculo financeiro estará incorreto. É um descumprimento objetivo da norma.

Muito embora o “benchmark” da norma seja o uso da taxa implícita para mensuração inicial ao valor de custo do direito de uso e do passivo de arrendamento, em muitos contratos pode não ser possível obtê-la. Nesse caso a norma requer a aplicação da Taxa Incremental de Empréstimo, que será elucidada no ponto abaixo.

Taxa Incremental de Empréstimo (IBR)

A taxa incremental de empréstimo, IBR (do inglês “Incremental Borrowing Rate”), é a taxa de juros que o arrendatário teria que pagar ao pedir emprestado, por prazo semelhante e com garantia semelhante, os recursos necessários para obter o ativo com valor similar ao ativo de direito de uso em ambiente econômico similar, conforme definição contida no CPC 06 (R2).

A taxa incremental de empréstimo deve ser função do risco de crédito da arrendatária, do prazo do contrato de arrendamento (ou de locação), da natureza e qualidade das garantias oferecidas e do ambiente econômico em que a transação ocorre, conforme elucidado na seção “Basis for Conclusions” da IFRS 16, em seu §BC161. Além disso, o arrendatário deve preferencialmente partir de uma taxa que seja prontamente observável, a partir da qual deve proceder aos ajustes necessários para se chegar à sua taxa incremental de empréstimo. Assim consta na seção “Basis for Conclusions” da IFRS 16, em seu §BC1625.

A CVM destaca que no Brasil são prontamente observáveis tanto a taxa básica de juros real quanto a taxa básica de juros nominal. Por outro lado, não são prontamente observáveis tanto a taxa incremental de empréstimo real quanto a taxa incremental de empréstimo nominal. Elas precisam ser construídas a partir da taxa básica de juros.

Entretanto, a norma veda, no item 27(b), o uso de índices ou taxas projetados na determinação dos pagamentos de arrendamento incluídos na mensuração do passivo de arrendamento. O arrendatário não deve estimar inflação futura na mensuração inicial de seu passivo de arrendamento.

Observe que há um aparente conflito do CPC 06 (R2) que simultaneamente:

  1. exige a taxa incremental de empréstimo do arrendatário, que é sua taxa de captação (com todos os fatores de risco incorporados);
  2. veda o uso de técnicas de projeção, ainda que o arrendatário disponha de informações macroeconômicas confiáveis; e
  3. exige que o arrendatário forneça informações que sejam relevantes e representem com fidedignidade a realidade econômica a ser reportada.

Mas, afinal, qual IBR deve-se aplicar aos contratos de arrendamento/aluguel quando esta taxa não for prontamente determinável? E como alinhar os objetivos da norma, por vezes conflitantes, com dever legal imposto à CVM?

Foi o grande desafio que as áreas técnicas da CVM tiveram pela frente e buscaram solucionar de um modo que a taxa recomendada estivesse amparada pela norma, refletisse de fato o custo de captação da companhia e fosse moldada ao ambiente econômico brasileiro… E conciliando a solução com a necessidade de as informações prestadas pelas companhias não resultarem em misleading, estando adequadas a princípios gerais a serem aplicados quando do uso de técnicas de Fluxo de Caixa Descontado para fins de mensuração contábil.

Assim, considerando esses aspectos para balizar a orientação do ofício-circular, as áreas técnicas da CVM entendem que as companhias abertas arrendatárias que adotarem como política contábil as prescrições contidas no CPC 06 (R2), mesmo sendo conhecedoras das incorreções técnicas nele contidas para o ambiente brasileiro, utilizarão, tanto na mensuração inicial quanto na remensuração do passivo de arrendamento, taxas nominais prontamente observadas, ajustadas ao risco de crédito da arrendatária, e levando em consideração o prazo do contrato de arrendamento (ou de locação) e a natureza e a qualidade das garantias oferecidas. Essa é a IBR do arrendatário no Brasil!

Objetivamente, a companhia arrendatária deve projetar inflação futura nos fluxos a serem descontados, de modo a não haver a impropriedade técnica no cálculo, ocasionada pela flexibilidade prevista no CPC 06 (R2), e preservando, por conseguinte, a qualidade da informação a ser apresentada para os investidores no mercado brasileiro.

Ressalte-se que, sendo essa a política contábil selecionada pela administração da companhia para elaboração de suas demonstrações financeiras, também deverão ser observadas as divulgações e demais procedimentos requeridos nessas circunstâncias, em particular nos §§19-20 do CPC 26, que trata da “Apresentação das Demonstrações Contábeis”.

19 do CPC 26. 
“Em circunstâncias extremamente raras, nas quais a administração vier a concluir que a conformidade com um requisito de pronunciamento técnico, interpretação ou orientação do CPC conduziria a uma apresentação tão enganosa que entraria em conflito com o objetivo das demonstrações contábeis estabelecido no CPC 00, a entidade não deve aplicar esse requisito e deve seguir o disposto no item 20, a não ser que esse procedimento seja terminantemente vedado do ponto de vista legal e regulatório.”

20 do CPC 26.
“Quando a entidade não aplicar um requisito de pronunciamento técnico, interpretação ou orientação do CPC ou de acordo com o item 19, deve divulgar:”
…”

Para facilitar a compreensão do entendimento das áreas técnicas da CVM, um exemplo ilustrativo que serve como expediente didático. No exemplo ilustrativo existem dois cálculos do arrendamento atendendo e conciliando o CPC 06 (R2) e a IFRS 16, ou seja, a um cálculo sem projeção da taxa de inflação e o outro cálculo com a projeção da taxa de inflação (fluxos de caixas nominais, descontados pela taxa nominal, IBR). Para ambos os cálculos, existe um modelo de Balanço Patrimonial, Demonstração de Resultado e DFC.

Destaca-se que os dois fluxos de caixas devem estar evidenciados e conciliados em notas explicativas.

PIS e COFINS a recuperar – Tratamento contábil

Os pagamentos efetuados ao arrendador ou locador pela companhia arrendatária ou locatária podem gerar o direito de a companhia arrendatária se creditar de PIS e COFINS. Para tanto, precisa ocorrer o atendimento da condição prevista na legislação tributária, qual seja, o pagamento efetivo. Pagamentos a serem liquidados no futuro não geram esse direito e, por consequência, o reconhecimento do ativo PIS e COFINS a recuperar.

Nesse sentido, o custo do direito de uso reconhecido em contrapartida ao passivo de arrendamento, devidamente ajustado a valor presente, embute um potencial de crédito tributário futuro. Dessa forma, quando da depreciação do direito de uso, esse potencial de crédito tributário futuro nele embutido é apropriado ao resultado do período a título de despesa de depreciação no transcorrer do prazo do contrato de arrendamento.

Entretanto, como o direito de uso (no momento inicial) está registrado ao custo histórico e o pagamento das parcelas de arrendamento, que são a base dos créditos tributários, são atualizadas em função do tempo transcorrido, o complemento desse crédito tributário está reconhecido como despesa financeira.

Assim sendo, o reconhecimento do PIS e COFINS a recuperar deverá ser registrado em contrapartida às rubricas de: i) despesa de depreciação do direito de uso e ii) despesa de juros do passivo de arrendamento. É tecnicamente inadequado efetuar-se o crédito referente à contrapartida do ativo de PIS e COFINS a recuperar em linha específica no resultado do período, uma vez que os efeitos, no resultado, do PIS e da COFINS já estão reconhecidos nas rubricas de despesas supracitadas.

Conforme CVM, observem abaixo os procedimentos que as Companhias estão praticando, com relação ao crédito de PIS/COFINS, e os procedimentos que a respectiva Autarquia recomenda:

Resumo do Ofício-circular CVM/SNC/SEP 02/2019 sobre arrendamento (IFRS 16 e CPC 06 R2)

Nota: a Memória de cálculo dos valores do exemplo acima, bem como as contabilizações estão detalhadas no ofício-circular.

PIS e COFINS embutidos no Passivo de Arrendamento – Tratamento contábil

Uma questão que foi apresentada às áreas técnicas envolve a proposta de se dispensar um tratamento simétrico ao passivo de arrendamento da arrendatária em relação ao ativo do arrendador, destacando-se no corpo do Balanço Patrimonial da companhia arrendatária o PIS e a COFINS repassado pelo arrendador à companhia arrendatária e embutido no passivo.

O passivo de arrendamento deve ser mensurado no reconhecimento inicial pelo valor integral obtido pelo desconto a valor presente dos fluxos de caixa de pagamentos de arrendamento, sem qualquer segregação de tributos a recuperar, em contrapartida ao ativo direito de uso. O passivo deve estar atrelado à contraparte da relação contratual, que no caso de contratos de arrendamento/locação é o arrendador/locador.

As áreas técnicas da CVM observaram que algumas companhias destacaram PIS e COFINS de seus passivos de arrendamento/locação, inclusive para fins de mensuração e remensuração, conforme informações prestadas em nota explicativa anexa às suas ITRs do exercício social de 2019. Isso não é disciplinado pela norma. Esse proceder subestima o passivo de arrendamento/locação e por consequência o ativo direito de uso.

Evidenciação – Nota explicativa

As companhias devem observar as orientações contidas na “Orientação Técnica OCPC 07” que trata de “Evidenciação na Divulgação dos Relatórios Contábil Financeiros de Propósito Geral”.

A título de contribuição para uma divulgação de qualidade, no Anexo “A” do ofício-circular é apresentado um modelo de nota explicativa. Destacamos a nota explicativa de “Misleading”, ou seja, informação enganosa, incorreta, falsa, deturpada etc.) provocado pela plena aplicação do CPC 06 (R2):

“A companhia, em plena conformidade com o CPC 06 (R2), na mensuração e na remensuração de seu passivo de arrendamento e do direito de uso, procedeu ao uso da técnica de fluxo de caixa descontado sem considerar a inflação futura projetada nos fluxos a serem descontados, conforme vedação imposta pelo CPC 06 (R2). Tal vedação gera distorções relevantes na informação a ser prestada, dada a realidade atual das taxas de juros de longo prazo no ambiente econômico brasileiro.

Assim, para resguardar a representação fidedigna da informação, e para atender orientação das áreas técnicas da CVM visando a preservar os investidores do mercado brasileiro, são apresentados os saldos comparativos do passivo de arrendamento, do direito de uso, da despesa financeira e da despesa de depreciação do exercício social encerrado e do exercício anterior:”

Objetivamente, neste item, a companhia deve apresentar um quadro com as diferenças nas demonstrações financeiras relativas à aplicação da IFRS 16 versus CPC 06 (R2).

Por fim, compete à administração da companhia julgar se deve ou não reapresentar informações financeiras intermediárias.

Remerson Galindo de Souza
Sócio-gerente de Auditoria Independente do Grupo BLB Brasil

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