Portaria RFB nº 1.750/2018 e a nova forma de pressão contra o contribuinte devedor

Portaria RFB nº 1.750/2018 e a nova forma de pressão contra o contribuinte devedor

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Foi publicada, na edição de 14/11/2018 do Diário Oficial da União, a Portaria RFB nº 1.750, de 12/11/2018, que trata da representação para fins penais, entre outras situações, nos casos de crimes contra a ordem tributária, contra a Previdência Social e de contrabando ou descaminho que os Auditores-Fiscais da Receita Federal identificarem no exercício de suas funções.

Importante lembrar que a Portaria é um ato administrativo, emitido por autoridade de nível inferior ao Chefe do Poder Executivo (Presidente, Governador, Prefeito), cujo conteúdo é dirigido, em regra, aos servidores públicos, devendo observar o disposto na Constituição Federal e na lei. O que não é diferente nessa Portaria editada pelo Secretário da Receita Federal do Brasil (RFB).

A representação fiscal para fins penais de que trata a Portaria é uma comunicação escrita enviada pela RFB ao Ministério Público Federal, informando que foi lavrado auto de infração bem como que, no entender dos Auditores, há elementos que indicam a prática, por parte dos administradores de uma empresa, do contabilista ou de qualquer pessoa física, de um daqueles crimes indicados acima.

O ponto mais controvertido da referida Portaria é seu artigo 16 que autoriza a divulgação, no sítio da RFB na internet, das informações constantes da representação fiscal, entre elas identificando, pelo nome e CPF, as pessoas físicas que podem ser responsabilizadas em eventual investigação criminal ou processo penal.

O Secretário da RFB, ao apresentar os fundamentos para a emissão da Portaria, refere-se a vários dispositivos legais que dariam amparo à edição daquele ato normativo, o qual tem o objetivo claro de forçar os contribuintes ao pagamento de seus débitos tributários, limitando, assim, o direito de defesa no âmbito judicial.

Refere-se a Portaria, primeiramente, ao artigo 66 da Lei de Contravenções Penais, que pune a conduta daquele que, tomando conhecimento da ocorrência de determinados crimes, enquanto estiver exercendo função pública, deixa de comunicá-los à autoridade competente.

Refere-se também ao artigo 198, §3º, I, do Código Tributário Nacional que, apesar de vedar a divulgação de informações obtidas em razão do exercício da função pública que digam respeito à situação econômica ou financeira de sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, autoriza a divulgação de informações relativas à representações fiscais para fins penais.

Apesar dessa autorização final relativa à divulgação de informações sobre a representação fiscal para fins penais, não há previsão, nem implícita, para a vinculação do nome e CPF de administrador ou sócio a um ato ilícito e sua publicação.

A Lei nº 8.112/90, indicada na Portaria, que trata do regime jurídico dos servidores civis da União coloca, entre os deveres do servidor, o de comunicar à autoridade superior qualquer irregularidade que teve ciência em razão do cargo.

A Portaria também se refere ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96, que trata da representação fiscal para fins penais nos casos dos crimes contra a ordem tributária previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, e dos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, prevendo que deverá ser enviada ao Ministério Púbico somente após a decisão final sobre a exigência fiscal do crédito tributário na esfera administrativa.

A Lei nº 12.527/2011 é a lei de acesso a informação que foi editada, entre outros, para garantir a observância do disposto no artigo 5º, XXXIII da Constituição Federal que estabelece que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Entre as diretrizes dessa lei está a “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações”.

Aliás, a Lei nº 12.527/2011 define informação como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento” e informação pessoal como “aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”.

Afirma também que o acesso às informações pessoais deve respeitar “a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais”.  Essas informações serão de acesso restrito a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem. Além do mais, dispõe que poderá ser autorizada a divulgação ou o acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem.

A Lei dispensa o consentimento da pessoa a quem as informações se referirem, podendo, portanto, haver o acesso a elas por terceiros se, entre outros motivos, houver necessidade de defesa de direitos humanos ou para a proteção do interesse público e geral preponderante.

Por fim, para dar sustentação ao disposto na Portaria, há a referência aos artigos 47 a 51 do Decreto nº 7.574/2011 que, além de outros objetivos, “regulamenta o processo de determinação e de exigência de créditos tributários da União”.

Referido decreto também trata, assim como a Portaria, da representação fiscal para fins penais que é emitida pelo Auditor-Fiscal da RFB e enviada ao Ministério Público Federal depois do julgamento definitivo do auto de infração na esfera administrativa. Isso porque, sendo derrubada a autuação, a representação fiscal perde sua função.

O artigo 50 do Decreto dispõe que a RFB disciplinará os procedimentos necessários à execução do disposto nesta Seção (sobre a representação fiscal), o que é feito pela Portaria, bem como o artigo 148 afirma que ele, o Decreto, incorpora a legislação editada sobre a matéria até 19/01/2015.

Importante destacar a questão de a legislação anterior ser incorporada ao Decreto, especialmente em razão do disposto no Decreto nº 2.730/98 que prevê em seu artigo 2º, I, que a representação fiscal para fins penais somente poderá ser enviada ao Ministério Público Federal após encerrada a discussão administrativa, se mantido o crédito tributário e se, cumulativamente, for mantida a imputação de multa agravada. Essa disposição, pelo previsto no artigo 148, é incorporada ao Decreto nº 7.574/2011.

Pela análise de todos os dispositivos indicados na Portaria, pode-se concluir que não há autorização legal para a exposição do nome e do CPF de quem o Auditor-Fiscal acredita ser o responsável pelo ato que ele entende ser ilícito.

A divulgação das informações constantes de uma representação fiscal para fins penais, nos termos do que consta da Portaria, apesar de ser dirigida aos servidores da Receita Federal, tem o objetivo de constranger o contribuinte a realizar o pagamento de seu débito tributário junto ao fisco federal, e servirá, juntamente com os processos criminais, como mais uma forma de cobrança.

Não devemos esquecer que a regra no processo penal tem sido o Ministério Público iniciar um processo criminal, por crime contra a ordem tributária, indicando na denúncia todos os sócios da empresa que foi autuada, e ultimamente isso tem sido feito sem que sequer haja um inquérito policial para apurar responsabilidades, embasando-se no procedimento ou no processo administrativo de constituição do crédito tributário, os quais lhe são enviados com a representação fiscal para fins penais.

Eduardo Maimone Aguillar
Advogado criminalista especialista em direito tributário – IBET
Sócio do escritório Aguillar, Galino e Herschander Sociedade de Advogados

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