Medida Provisória 936 comentada: o que mudou?

Medida Provisória 936 comentada: o que mudou?

13 minutos de leitura

Se você está lendo este artigo, muito provavelmente também já leu (se não leu, leia! O caminho do entendimento deste aqui será mais suave) nosso outro artigo sobre a MP 927, no qual tratamos das adaptações legislativas acerca do trabalho e emprego, decorrentes do estado de calamidade pública, motivado pelo Covid-19 – aliás, quanta coisa de fato mudou na dinâmica de nossa vida, desde a data de publicação daquele artigo, não? Dessa maneira, é justo considerar que se lembra de comentarmos que aquele trecho da legislação, revogado logo após a publicação, retornaria dentro de outra Medida Provisória, de caráter orçamentário. Lembrou? Pois é, essa nova Medida Provisória chegou.

A Medida Provisória 936, além do até então polêmico “artigo 18” da MP 927, traz a formalização de um pacote, ou programa (se formos mais fiéis à forma que o próprio Governo batizou) de Proteção ao Emprego e ao Trabalho. Em resumo, e basicamente, comentaremos a seguir sobre as medidas orçamentárias necessárias à consecução de medidas previstas na MP 927, e outras medidas nela não previstas, mas fartamente anunciadas por coletivas nesses últimos dias.

E antes de começarmos com o conteúdo, é imprescindível que tenhamos consciência de que a MP objeto deste artigo, provavelmente, não será o último instrumento legal sobre gestão de trabalho e emprego no estado de calamidade, e nem teria como ser; em um futuro breve, de talvez algumas semanas, (provavelmente) teremos novos diplomas legais (que podem ser MP ou não), tratando sobre o tema, “tá ok”?

Basicamente, temos três medidas, dentro da Medida Provisória 936. São elas:

  1. O pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;
  2. A redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e
  3. A suspensão temporária do contrato de trabalho.

E que, pela lógica apresentada pela MP, possuem três objetivos:

  1. Preservar o emprego e a renda;
  2. Garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e
  3. Reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Mas vale lembrar que todas as tratativas desse programa de proteção ao emprego são válidas apenas para empresas privadas. Aos órgãos da administração pública direta e indireta, às empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive às suas subsidiárias, e aos organismos internacionais não se aplicam nenhuma dessas disposições, certo?

Então vamos lá (com a tradicional promessa de didática no texto, mas nenhuma garantia de que o mesmo será curto)!

1 – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda

Se anteriormente o Governo Federal dizia da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho, por alguns meses, agora também temos a possibilidade de não o suspender, mas sim, reduzir a jornada de trabalho nele previsto, e como consequência, reduzindo também o salário do empregado.

Veja bem, é de critério da gestão da empresa (com absoluta solidariedade do departamento de pessoal) que a opção por uma modalidade, ou por outra, e é imprescindível que essa opção seja absolutamente consciente da situação da empresa.

Outra informação bastante importante é que existem faixas de possibilidade de concessão do benefício, que não será irrestrito – tudo o que dissermos a partir daqui pode ser aplicado por meio de acordo individual ou coletivo a empregados que tenham salários de até R$ 3.135,00 e aqueles que, com diploma superior, tenham salários iguais ou superiores a R$ 12.202,12. Aos demais empregados, o benefício somente poderá ser concedido por acordo ou convenção coletivos, ressalvado apenas o caso de redução de jornada de até 25%, que poderá ser pactuada individualmente.

Quebrar qualquer das regras para concessão do benefício, em sede de fiscalização, fará recair sobre o empregador, além de todos os encargos, multa punitiva que varia de R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00.

De qualquer forma, trataremos desse tema de acordo com seus efeitos para empregador e empregados, separadamente por tópicos para cada um desses atores, com nenhum outro motivo senão de facilitar sua vida (de nada).

1.1 – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (parte empresa)

Em linhas gerais, poderíamos dizer que, se você não demandará os serviços de seus colaboradores durante esses meses iniciais da quarentena, é bastante lógico que você opte pela suspensão do contrato de trabalho – afinal, é, a princípio, a mais barata das escolhas; mas se, pelo contrário, você demandará os serviços dos seus colaboradores (mesmo que em regime de teletrabalho/home office), e de repente pode até mesmo estar pensando em adaptar alguns dos setores de sua empresa para esse regime (nunca diga nunca), a redução da jornada de trabalho pode vir a ser uma excelente alternativa. Ambas as alternativas devem ser acordadas entre empregador e empregado formalmente e levadas a informação do Ministério da Economia observado o prazo de dez dias.

Já me adianto à sua dúvida: “Porque optaria pela redução na jornada de trabalho, se a suspensão é mais barata?” Dois motivos simples: primeiro que, se você estiver demandando o serviço de seus colaboradores e o contrato de trabalho deles estiver suspenso, eles não poderiam estar trabalhando; e, em segundo lugar, é que se você faturou mais que R$ 4,8 milhões no ano passado (2019), você ainda vai ter de, obrigatoriamente, arcar com parte do auxílio que será pago ao colaborador com o contrato suspenso, na proporção de 30% do salário bruto do colaborador. Dessa maneira, coloque as variáveis “disponibilidade de caixa” e “demanda pelos serviços” na balança.

Apenas para finalizar nossos comentários acerca das formalidades e burocracias, eu sei que você nunca deixaria um prazo passar, mas vou chover no molhado e dizer que se você não informar ao Ministério da Economia o acordo realizado com seu colaborador, no prazo de dez dias, você ficará responsável pelo pagamento da remuneração no valor anterior à redução da jornada de trabalho e de salário ou da suspensão do contrato de trabalho do empregado, inclusive dos respectivos encargos sociais, até a que informação seja prestada. Em ato próprio, o Ministério da Economia trará a forma como essas informações deverão ser prestadas. Cabe observar também que o empregador, diferentemente do previsto anteriormente na MP 927, agora deverá informar os acordos individuais aos sindicatos.

Independentemente da forma que o empregador optar por realizar o benefício por parte da empresa (suspensão de contrato de trabalho ou redução da jornada de trabalho), isso gerará um reflexo para o empregado, tanto na dinâmica quanto nas percepções financeiras durante os meses de vigência do benefício. A esses reflexos, dedicamos o próximo subtópico.

1.2 – Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (parte empregado)

Uma vez que o empregador já informou ao Ministério da Economia qual modalidade será exercida (suspensão de contrato de trabalho ou redução de jornada de trabalho), dentro de trinta dias, contados da data de celebração do acordo, o Governo Federal realizará o pagamento da primeira parcela. Ela terá o valor do seguro-desemprego correspondente ao que seria devido, caso o colaborador tivesse sido demitido, e será paga mensalmente enquanto durar a suspensão ou redução em comento. Em ato próprio, o Ministério da Economia trará a forma como esse benefício será concedido.

Vale dizer que, mesmo que o colaborador esteja recebendo o benefício, caso venha ser dispensado durante o período de recebimento, ele ou ela não terão prejuízos no seguro-desemprego devido pela demissão, recebendo normalmente as parcelas que lhe forem de direito. Em outras palavras, em caso de dispensa do colaborador, mesmo que este já tenha recebido duas ou três parcelas do benefício, receberá todas as parcelas do seguro desemprego, no valor cheio.

Existem, claro, algumas regras específicas para cada modalidade (suspensão de contrato ou redução de jornada) relativamente ao valor concedido. São elas:

Redução na Jornada de Trabalho: caso ocorra a redução na jornada de trabalho, o Governo Federal pagará ao trabalhador o equivalente à parcela do seguro-desemprego que ele ou ela tenha direito, deduzido da proporção que for reduzida na jornada. Apenas a mérito de exemplo, caso o valor cheio do seguro-desemprego devido for de R$ 1.000,00, e houver sido pactuada, entre empregador e empregado, uma redução de 30% da jornada, quer dizer que a empresa arcará com 70% do salário original e o Governo Federal pagará R$ 300,00 a título de benefício.

Suspensão do Contrato de Trabalho: já no caso da suspensão do contrato, via de regra o Governo Federal pagará 100% do valor correspondente ao seguro-desemprego, havendo apenas a exceção na hipótese de a empresa ter faturado mais que R$ 4.8 milhões no ano de 2019. Nessa situação, o Governo Federal arcará com o equivalente a 70% do seguro-desemprego, ao passo que o empregador, obrigatoriamente, somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% do valor do salário do empregado.

Isso lembrando que, independentemente de o colaborador estar recebendo o benefício pela suspensão do contrato de trabalho, o empregador ainda poderá pagar uma ajuda compensatória mensal, com valor estipulado no acordo que suspender o contrato, e que terá natureza indenizatória (ou seja, não integrará a base de cálculo da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; além de não integrar a base de cálculo do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado, nem integrar a base de cálculo do FGTS, e além de tudo, poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do IRPJ e da CSLL, nas pessoas jurídicas tributadas pelo Lucro Real).

1.1.1 – Garantias

Ainda ao empregado, são concedidas garantias de manutenção do contrato de trabalho pelo tempo que perdurar a suspensão do mesmo, ou a redução de jornada. E após o reestabelecimento da jornada e do salário, ou o término da suspensão do contrato, ainda terá o empregado garantia de manutenção de seu vínculo por igual período.

Essas garantias não proíbem o empregador de demitir, mas tornam bem mais cara a demissão, pois, além de arcar com os custos normais de rescisão contratual de trabalho, o empregador deverá para indenização de:

  • 50% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%; ou
  • 75% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; ou
  • 100% do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual superior a 70% ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.

Vale ressaltar que essas indenizações somente serão devidas no caso de dispensa sem justa causa. Caso a dispensa seja motivada por pedido do empregado ou por justa causa não há que se falar em indenização.

1.1.2 – Acordo/negociação coletiva entre empregador e empregados

Aqui temos uma particularidade bastante peculiar, e com a qual devemos tomar imenso cuidado. Isso porque, caso a negociação seja coletiva, o benefício não será percebido da mesma forma que se tiver sido contratado/pactuado individualmente. Isso porque a regra buscará uma padronização para a concessão coletiva, cujo reflexo para o empregado será de:

  • Não receber o benefício quando a redução de jornada e de salário inferior a 25%;
  • Receber 25% do equivalente ao seguro-desemprego quando a redução de jornada e de salário igual ou superior a 25% e inferior a 50%;
  • Receber 50% do equivalente ao seguro-desemprego quando a redução de jornada e de salário igual ou superior a 50% e inferior a 70%; e
  • Receber 70% do equivalente ao seguro-desemprego quando a redução de jornada e de salário superior a 70%.

Isso tudo lembrando que, mesmo que haja mais de um contrato de trabalho ativo, o empregado não perceberá dois benefícios. Apenas um. Bem como, caso já esteja recebendo qualquer benefício emergencial, o empregado não fará jus ao novo benefício, objeto deste artigo.

Outras disposições importantes

Cursos e Treinamentos: anteriormente previstos no próprio corpo da MP 927, a Medida Provisória 936 utiliza-se de referência à própria CLT, especificamente ao artigo 476-A, mas basicamente estipula que todos esses deverão ser realizados (caso sejam realizados), apenas na modalidade não-presencial, e os programas de treinamento não poderão ter duração inferior a um mês, nem superior a três meses.

Formalizações e Atendimentos: por conta das disposições de distanciamento social, poderão ser realizados todos os atos informativos, de atendimento, negociação, decisão, formalização e publicidade de convenções e acordos, por meio eletrônico/digital.

Prazos de Convenção: ficam, todos os prazos relativos à convenção coletiva de trabalho, cortados pela metade (para deliberar também? Sim. De duração de disposições também? Sim. Todos, mesmo? Sim, todos).

Contratos de Trabalho intermitente: caso o contrato seja intermitente, não se aplicam as regras que têm por base o seguro-desemprego, mas sim, este trabalhador fará jus a apenas R$ 600,00 por parcela do benefício – assim como previsto para os informais e autônomos.

Fiscalização Trabalhista: pois é. Ficou bastante desconfortável falar na MP 927 que a fiscalização teria uma função reduzida durante o período de calamidade. Nessa Medida Provisória 936, no entanto, o Governo Federal trouxe como que uma errata, dizendo expressamente que não autoriza o descumprimento das normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho pelo empregador, e aplicando-se as ressalvas ali (na MP 927) previstas apenas nas hipóteses excepcionadas.

Enfim, esperávamos já uma nova Medida Provisória que viesse regulamentar e dar mais detalhes acerca do pacote de proteção ao trabalho e ao emprego, previsto na MP 927. Honestamente, creio ser bem razoável e plausível a forma como fora estipulada a mecânica de concessão do benefício, sendo bastante acessível e protetiva a todos os tipos e modalidades de trabalho e emprego.

Claro que diversas deliberações, conforme citei anteriormente, devem ser fruto quase que exclusivo de um excelente planejamento rápido e preciso, para que seja aproveitável em sua totalidade (tanto pela empresa, quanto pelo empregado), para isso – obviamente – caso tenha qualquer dúvida ou questão que esteja enfrentando dificuldades, disponha de nosso time de especialistas para lhe auxiliar a enfrentar esse momento de crise, e na tomada de decisões.

Luiz Felipe Baggio
Consultor Jurídico e Especialista em Matéria Trabalhista pela BLB Brasil Auditores e Consultores

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