Como mensurar o valor justo de ativos do agronegócio?

Como mensurar o valor justo de ativos do agronegócio?

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Levando em consideração que o setor do agronegócio é um dos maiores e mais importantes segmentos econômicos no nosso planeta, a sua contribuição para o PIB torna-se cada vez mais expressiva. Para se ter uma dimensão mais concreta do que estamos falando, em 2021, o valor agregado nesse setor correspondeu, em média, segundo o Cepea, a 27,4% do PIB brasileiro.

E o motivo pelo qual esse setor alcançou tamanha importância na nossa economia é muito simples: a agricultura é a base da alimentação tanto dos seres humanos quanto dos animais de criação. Isso significa que o agronegócio tem se tornado muito importante sob a perspectiva industrial e contábil basicamente por ser o alicerce da vida como um todo.

E quando se trata de ativos agrícolas, restam ainda muitas dúvidas sobre as melhores maneiras de mensurá-los e de se estabelecer o seu valor justo. Pensando em tornar essa questão mais clara e palpável, vamos tentar resumir, em apenas 2 etapas, o processo referente à mensuração desses ativos:

1ª: antes de tudo, é preciso identificar qual tipo de ativo agrícola você negocia ou produz.

2ª: com essa informação em mãos, é hora de mensurar o ativo de acordo com a categoria na qual se enquadra. Vamos lá?

Como definir o tipo de ativo agrícola?

Do ponto de vista contábil, os ativos no segmento do agronegócio podem causar certa confusão por englobarem algumas possibilidades de classificação e, portanto, de mensuração do valor justo. Por isso, a primeira coisa a se fazer é identificar a categoria em que melhor se enquadra um determinado ativo.

Para quem já está familiarizado, essa identificação é muito semelhante a que fazemos com os instrumentos financeiros: primeiro deve-se classificar, depois aplicar-se o padrão apropriado para, por fim, mensurar conforme o seu tipo e a sua categoria.

Quer saber mais sobre esse assunto?

Então confira estes conteúdos:

Como mensurar os diferentes tipos de ativos agrícolas?

I. Ativos biológicos

De acordo com a definição retirada do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis) 29, o qual corresponde à norma internacional IAS (International Accounting Standards) 41, um ativo biológico refere-se a um animal ou a uma planta viva. Contudo, não é preciso refletir muito profundamente para perceber que esse conceito acaba se mostrando um tanto vago, já que nem todos os animais e plantas vivos automaticamente se enquadram no escopo do CPC 29. Então, como resolvemos esse dilema?

O primeiro passo é questionar-se se esse ativo é usado em alguma atividade agropecuária. Ou seja, você lida com a transformação biológica e a colheita de ativos biológicos para fins específicos vinculados ao agronegócio?

Se sim, então isso significa que o ativo biológico se enquadra no escopo do CPC 29. Como exemplo, podemos citar a criação de tilápias, em uma fazenda de piscicultura, visando à comercialização de carne de pescado.

Mas, se a sua resposta for não, então esse ativo foge do escopo da norma. Um exemplo disso seria a pesca de tilápias em um rio, cuja transformação biológica não esteve sob o cuidado ou o manejo de um produtor rural.

Para simplificar ainda mais essa diferença, vamos a outro exemplo: se você tiver cachorros para fins de procriação e, consequentemente, venda dos filhotes, essa atividade é considerada como agropecuária, enquadrando-se perfeitamente no CPC 29. Mas se você tiver esses animais com o único propósito de proteger a sua propriedade, então esse caso não se aplica às normas do CPC 29 por não se tratar de uma operação associada ao agronegócio.

E o segundo passo é questionar-se se esse ativo biológico é uma produção ou um item consumível. Para isso, é fundamental compreender a diferença entre eles:

  1. Ativos biológicos consumíveis

Os ativos biológicos consumíveis são aqueles que podem:

  • Ser colhidos como produtos agrícola: criação de peixes, porcos e outros animais para a produção de carne; árvores cultivadas para a produção de madeira, cana-de-açúcar, café, frutas etc.
  • Ser negociados como ativos biológicos: comercialização de mudas de árvores frutíferas ou de plantas decorativas; venda de animais de estimação ou de peixes ornamentais etc.

Assim, no que se refere à mensuração, os ativos consumíveis entram no escopo do CPC 29 e, por isso, devem ser mensurados pelo valor justo menos as despesas de venda.

  1. Ativos biológicos portadores

É fundamental esclarecer que os ativos biológicos portadores e os ativos biológicos consumíveis não são a mesma coisa. Diferentemente desses últimos, os portadores se referem ao cultivo de plantas ou à criação de animais que produzem itens, os quais se tornarão consumíveis no futuro, como é o caso da plantação de parreiras para a produção de vinhos ou a criação de vacas para a produção de leite.

Aqui, no entanto, a IFRS (International Financial Reporting Standards) faz uma distinção entre as plantas portadoras e os animais portadores:

  • As plantas portadoras se enquadram no escopo do CPC 27, correspondente à norma internacional IAS 16;
  • Mas os animais portadores entram no escopo do CPC 29 que, como vimos anteriormente, equivale à IAS 41.

Resumindo, basicamente todos os animais (sejam portadores ou consumíveis) entram no escopo do CPC 29 (IAS 41) e, consequentemente, devem ser mensurados pelo seu valor justo menos o custo de venda.

Já as plantas merecem uma atenção especial, pois é preciso, em primeiro lugar, diferenciar e avaliar adequadamente a finalidade do seu cultivo. As plantas portadoras se enquadram no escopo do CPC 27 (IAS 16), sendo assim, devem ser mensuradas aplicando o modelo de custo ou o modelo de reavaliação.

II. Produtos agrícolas

Os produtos agrícolas se referem aos itens finais colhidos ou retirados dos ativos biológicos, como, por exemplo: banana, ovo, alface, leite, carne etc. Contudo, é importante lembrar que os produtos feitos a partir do preparo ou do processamento desses itens passam a ser considerados estoques, como é o caso do doce de banana, do queijo e do presunto.

É também comum que ocorram equívocos quanto à categorização de animais vivos como produtos agrícolas. Por exemplo, pintinhos criados em uma granja de frango para serem futuramente vendidos não são classificados como produtos agrícolas, mas sim como ativos biológicos por se tratar de animais vivos (segundo a definição do CPC 29).

III. Terras agrícolas

Embora esse ativo seja geralmente muito claro, é importante mencioná-lo também. As terras agrícolas usadas para uma atividade na área da agropecuária estão definitivamente dentro do escopo do CPC 27 (IAS 16) e devem ser mensuradas de acordo com o modelo de custo.

Para ilustrar de forma simples e objetiva a mensuração dos três ativos agrícolas abordados, resumimos algumas informações na tabela abaixo:

Tipo de ativo Exemplo

Mensuração

Ativos biológicos consumíveis Mudas de laranja, galinha para venda etc. Valor justo menos as despesas de venda na data do exercício
Planta portadora Laranja para cultivo e colheita da fruta para mesa ou suco CPC 27 (IAS 16) – modelo de custo ou modelo de revalorização
Animal portador Vaca de ordenha Valor justo menos as despesas de venda na data do exercício
Produtos agrícolas Banana, ovo, leite etc. Valor justo menos as despesas de venda na data da colheita
Terras agrícolas Terra florestal CPC 27 (IAS 16) – modelo de custo

Como mensurar o valor justo de ativos agrícolas?

Agora que já sabemos como identificar e classificar os ativos, assim como quais deles deverão ser mensurados pelo valor justo menos o custo de venda e quando mensurá-los, está na hora de falarmos sobre o CPC 46, o qual, na norma internacional, corresponde ao IFRS 13 “Mensuração do Valor Justo”.

Por meio dessa norma, é possível estabelecer uma hierarquia de valor justo, a qual classifica e determina as prioridades das entradas usadas para definir esse valor, como ilustrado na imagem abaixo:

Como mensurar o valor justo de ativos do agronegócio?

De modo geral, a entrada de nível 1 é, de longe, o método preferido e o mais aceito, pois para produtos agrícolas, como leite, açúcar e carne, normalmente existe um forte mercado ativo para obter o valor justo desses ativos. Além disso, não há restrições para ativos biológicos consumíveis próximos à data da venda ou da colheita.

Já quando nos referimos à entrada de nível 2, basicamente, estamos falando de preços determinados pelo mercado em que não existe um mercado ativo. Se há, por exemplo, um ativo que é raramente comercializado a ponto de o último negócio ter acontecido já há algum tempo, nesse caso, pode-se usar o preço mais recente como entrada para uma avaliação justa.

Por fim, na prática, as empresas usam o valor presente dos fluxos de caixa gerados pelo ativo como entrada do nível 3 para a técnica de avaliação.

Resumindo, a ordem de técnicas de avaliação a serem utilizadas é a seguinte:

  1. Nível 1: preços cotados em um mercado ativo para ativos idênticos na data do exercício (ou na data da colheita, com base no tipo do ativo).
  2. Nível 2: preços de transações recentes para ativos idênticos quando não existir um mercado ativo.
  3. Nível 2: preços cotados para ativos similares em um mercado ativo.
  4. Nível 3: valor presente dos fluxos futuros de caixa dos ativos.
  5. Nível 3: custo como uma aproximação do valor justo – só pode ser usado em determinadas situações, como veremos mais adiante.

De maneira prática, isso significa que, para produtos agrícolas colhidos e alguns ativos biológicos consumíveis, há um mercado ativo com exatamente os mesmos ativos e nas mesmas condições, de modo que você pode considerar o preço de mercado como entrada de nível 1 em sua avaliação.

Já para a maioria dos ativos biológicos que levam mais tempo para serem produzidos e amadurecerem, mas que não serão colhidos ou vendidos até certo tempo no futuro, o mercado ativo NÃO EXISTE e, por isso, você precisa aplicar o método do fluxo de caixa descontado, como demonstraremos no exemplo abaixo:

A empresa XLZ cultiva árvores de eucalipto para colheita e utilização de produção de celulose. Em 2019, foram plantados 8.000 pés, os quais levam cerca de 7 anos até estarem prontos para a colheita.

No final de 2021, o preço de mercado de uma árvore de eucalipto madura era de 6.500 Unidades Monetárias (UM), sendo que, a cada ano, a XLZ tem um custo de 300 UM por árvore no cultivo de eucaliptos e se utiliza de uma taxa de desconto de 8%, que é a taxa de retorno de mercado.

Considerando que, ao final de 2020, o valor justo das árvores da XLZ foi de 2.350.000 UM e que os 8.000 pés de eucalipto estarão prontos em 2026, torna-se necessário listar todos os fluxos de caixa, a partir de 2022 até 2026, para chegarmos ao valor justo total, como veremos na tabela abaixo. Por uma questão de simplicidade, ignoraremos a inflação e outros parâmetros econômicos.

Ano Gastos Recebimentos Fluxo de caixa líquido Fator de desconto

Valor presente

2022 -300 0 -300 0,926 -278
2023 -300 0 –300 0,857 -257
2024 -300 0 -300 0,794 -238
2025 -300 0 -300 0,735 -221
2026 -300 6.500 6.200 0,681 4.222.000
Total         3.228.000

O valor justo arredondado das 8.000 árvores da XLZ é de 3.228.000 UM, de modo que a variação total do valor justo desses pés é, portanto, de aproximadamente 878.000 UM (3.228.000 menos 2.350.000).

Duas observações importantes sobre este exemplo:

  1. Não se esqueça de deduzir o custo de venda desse valor justo. Na tabela, foram inclusas as saídas de caixa referentes apenas ao custo para o cultivo das árvores, sem considerar a despesa de venda. Sendo assim, lembre-se de que, ao se ter os seus valores justos, também é necessário levar em consideração o custo de venda.
  2. O CPC 29 incentiva a declaração da variação do valor justo ao longo do ano e a separação de tal variação da seguinte maneira:
    • Variação do valor justo em virtude das mudanças físicas (as árvores crescem e, por isso, o seu valor justo também aumenta);
    • Variação do valor justo em virtude da alteração dos preços (o do mercado pode variar ao longo do tempo).

Essa segunda declaração é especialmente importante para ativos biológicos com ciclos de produção maiores do que um ano (como o caso das árvores de eucalipto que levam 7 anos até estarem prontas).

Como definir os fluxos de caixa dos ativos biológicos?

A regra geral do CPC 46 e da IFRS 13 diz que todas as entradas e saídas de caixa diretamente atribuíveis ao ativo devem ser incluídas. Mas quais são elas?

Bom, isso depende muito da atividade que estamos tratando, ou seja, dos ativos biológicos específicos que estão sendo mensurados. E sim, tudo isso exige certo julgamento de quem está lidando com esse ativo, sendo que alguns exemplos de fluxo de caixa são:

1) Entradas de caixa da venda de um ativo ou de um produto agrícola no futuro. Isso pode ser estimado com base no:

  • peso, idade, volume, etc. presumidos do ativo;
  • preços de mercado de um ativo biológico específico ou de um produto agrícola.

Por exemplo, vamos supor que você trabalha com árvores que serão cortadas para a produção de madeira depois de certo tempo. Você pode estimar a entrada futura de caixa dos ativos florestais (no caso as árvores) com base no volume presumido (metros cúbicos) de madeira colhida dessa floresta e no preço de mercado da madeira de árvores similares. Mas lembre-se de NUNCA determinar o valor justo tendo como base os preços futuros em seus contratos.

2) Saídas de caixa para aumentar o ativo, como, por exemplo, alimentação animal, vacinação de animais, fertilizantes, herbicidas, custo de mão de obra, entre outros. Vale ressaltar que o imposto de renda e as saídas de caixa de financiamento NUNCA são incluídos.

Existe alguma ressalva para a definição do valor justo dos ativos biológicos?

Sim! Há duas situações em que você não precisa definir o valor justo:

1) O custo como uma aproximação do valor justo, ou seja, você pode usar o custo em vez do valor justo, mas apenas nos seguintes casos:

    • Quando ocorre pouca transformação biológica desde que os custos iniciais foram incorridos, como o plantio de mudas de árvores pouco antes de o período do exercício se encerrar.
    • Quando a transformação biológica não tem impacto material no preço, como é o caso das árvores com ciclo de produção extenso, logo após o seu plantio.

2) O valor justo não pode ser mensurado de forma confiável. Isso é extremamente raro, porque quase sempre é possível mensurar o valor justo de ativos biológicos, seja com base nos dados de nível 1, 2 ou 3.

Depois de todas as informações disponibilizadas ao longo deste artigo, esperamos ter facilitado e respondido as principais dúvidas que normalmente surgem em trabalhos de identificação e mensuração dos seus ativos biológicos. Mas se ainda restarem quaisquer dúvidas, a equipe de consultores especializados do Grupo BLB Brasil estará apta e pronta para te atender. Entre em contato!

Lucas Cavalheiro
Gerente de Auditoria pela BLB Brasil Auditores e Consultores

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