Como reconhecer (e mensurar) contabilmente as moedas digitais?

Como reconhecer (e mensurar) contabilmente as moedas digitais?

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Dada a inexistência (atualmente) de uma norma ou orientação contábil do International Accounting Standards Board (IASB) ou do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) especifica sobre a contabilização das moedas digitais (criptomoedas) – o bitcoin, como exemplo –, temos que visitar diversas normas contábeis (IFRS/CPC), a fim de respondermos a nossa questão e identificarmos um “padrão contábil” que melhor se encaixe na contabilização das moedas digitais.

Isso posto, vamos para a nossa expedição pelas normas contábeis, a fim de chegarmos ao reconhecimento (e mensuração) contábil das moedas digitais:

  1. Caixa e equivalentes a caixa

O CPC 03 – Demonstração dos fluxos de caixa traz as seguintes definições para “caixa e equivalentes de caixa”:

  1. Caixa: é um “numerário em espécie e depósitos bancários disponíveis”;
  2. Equivalentes de caixa: “são aplicações financeiras de curto prazo, de alta liquidez, que são prontamente conversíveis em montante conhecido de caixa e que estão sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor”.

Perceba-se que os termos:

  • “espécie” remete a uma forma física de moeda, conceito totalmente avesso às moedas digitais e;
  • “sujeitas a um insignificante risco de mudança de valor” é um paradoxo às volatilidades das moedas digitais.

Logo fica muito difícil defendermos a classificação das moedas digitais como caixa e equivalentes de caixa. Então, vamos para a próxima norma, a de “estoques”.

  1. Estoques

O CPC 16 – Estoques define estoques como ativo: (a) mantidos para venda no curso normal dos negócios; (b) em processo de produção para venda; ou (c) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou transformados no processo de produção ou na prestação de serviços.

Essa é uma alternativa plausível para as casas de câmbio que mantêm moedas (físicas ou digitais) para venda no curso normal de seus negócios. Todavia, o conceito não se aplica para as entidades que mantêm moedas digitais como investimentos ou que as aceitam as mesmas como forma de pagamento.

Ademais, o CPC 16 descreve que os estoques devem ser “mensurados pelo valor de custo ou pelo valor realizável líquido, dos dois o menor.”

Consequentemente, não faz sentido a classificação das moedas digitais na conta de estoques e, tampouco, mensurar as mesmas pelo custo ou mercado, dos dois o menor.

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  1. Ativo intangível

É possível classificarmos as moedas digitais no ativo intangível, já que diferentemente das “moedas plásticas” (cartões) ou das “transações bancárias e digitais que conhecemos”, não existem por trás das moedas digitais um cunho  governamental, bem como as características de metal ou papel de quem as emitiu e que garante o seu valor?

Se visitarmos o CPC 04 – Ativo Intangível, o mesmo traz a seguinte definição de ativo intangível como sendo “um ativo não monetário identificável sem substância física”.

Lembrando que um “ativo monetário” é aquele representado por dinheiro ou por direitos a serem recebidos em uma quantia fixa ou determinável de dinheiro.

Com relação ao teste de recuperabilidade do ativo, o respectivo CPC menciona que a entidade deve aplicar o CPC 01 – Redução ao Valor Recuperável de Ativos, o  qual descreve que o “valor recuperável” de um ativo é o maior montante entre: i) “o seu valor justo, líquido de despesa de venda” ou ii) “o seu valor em uso”.

Embora possamos até reconhecer uma moeda digital como ativo intangível, há elementos na definição que dificultam a classificação da moeda digital nesse grupo de contas.

  1. Investimentos

O art. 179 da Lei nº 6.404/76 (lei das sociedades anônimas), em seu item III, estabelece que são classificados em Investimentos “as participações permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa”.

A palavra “permanentes” nos remete aos investimentos que não se destinam à venda ou que não fazem parte de “operações em descontinuidade” de uma entidade.

Em outras palavras, pelo texto legal, basicamente, na conta de investimentos são classificadas as participações permanentes em outras sociedades e outros investimentos permanentes.

Temos como exemplo de “outros investimentos permanentes” as obras de artes, desde que a entidade deseje mantê-las como ativos indefinitivamente e que não sejam utilizadas na atividade da entidade.

Não podemos nos esquecer que as entidades devem efetuar o “teste de impairment” da rubrica de investimentos nas demonstrações financeiras, conforme determina o CPC -18 – Investimento.

Resumindo, as moedas digitais não se classificam como investimentos.

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  1. Instrumentos financeiros

O CPC 39 – Instrumentos financeiros: apresentação e posterior alteração pela IFRS 9, define instrumentos financeiros como “qualquer contrato que dê origem a um ativo financeiro para a entidade e a um passivo financeiro ou instrumento patrimonial para outra entidade”,

Um ativo financeiro inclui, mas não se limita a:

  • Caixa;
  • direito contratual de receber caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade.

As moedas digitais não se enquadram na definição acima, pois não possuem uma relação contratual entre duas empresas. Logo, surgem dúvidas quanto ao reconhecimento das moedas digitais na rubrica de “instrumentos financeiros”.

Enfim, pela nossa expedição as normas contábeis, esgotamos as possibilidades de reconhecimento e mensuração das moedas digitais nas demonstrações financeiras, ou seja, não existe atualmente nas normas contábeis internacionais (normas IFRS/CPC) como reconhecer, mensurar e divulgar as moedas digitais nas demonstrações financeiras das entidades.

Logo, enquanto convivemos com nesse vácuo contábil de normatização, compete aos profissionais da contabilidade um julgamento profissional sobre a “adequada” classificação das moedas digitais, com base nas normas e interpretações atualmente existentes e que tratam de “eventos semelhantes”, sobretudo,  o Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro.

Por estarmos diante de um artigo sucinto, não vamos aqui defender (no sentido de uma tese) qual a melhor classificação contábil das moedas digitais, mas não temos dúvidas que as mesmas devem estar apresentadas nas demonstrações financeiras, ajustadas à cotação da data do balanço, com variações reconhecidas à demonstração do resultado e, principalmente, elucidadas nas notas explicativas.

A equipe do Grupo BLB Brasil é especialista nas aplicações das IFRS, com experiências práticas em diversos clientes, oferecendo todo suporte necessário para adaptação às normas IFRS, inclusive nas áreas de auditoria independente, consultorias tributária e trabalhista.

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Remerson Galindo de Souza
Sócio-gerente de Auditoria Independente do Grupo BLB Brasil

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